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Publicado em 07/07/2025


Roberto Zolho o Diplomata do Miombo

Por. Jorge Ferrão

Quando o amigo Baldeu Chande se juntou à eternidade, foi tormentoso fazer uma mensagem de elogio ou até de despedida. A dor falava mais alto que qualquer palavra, e qualquer que fosse a mensagem, certamente jamais  ecoaria em nenhum coração mais sensato e emocionado. Lidar com a despedida é uma das experiências mais difíceis da vida. As emoções envolvidas, no imediato, nesse processo podem ser avassaladoras, e, muitas vezes, é desafiador encontrar os vocábulos que expressem os sentimentos de perda e saudade. Não se perde apenas um amigo e colega, mas o manancial de vivências, experiências, conhecimentos e de tanto que ficou por partilhar.

Hoje, com o mesmo coração pesado, dilacerado e ainda incrédulo, revivo as emoções para me despedir do companheiro e amigo Roberto Zolho, esse homem de todas as compleições físicas, astuto e perspicaz, mas que, mesmo no silêncio das matas e savanas, dizia mais com os seus actos do que muitos de nós conseguimos dizer por palavras e sugestões. A natureza não se faz com campanhas, reuniões e promessas. Quem vive no seu interior conhece bem os ditames.

Roberto nasceu no coração de Sofala, onde as águas do Pungué se deitam sobre a planície e a terra nos ensina a respeitar o ritmo da chuva, do vento e dos bichos gigantes e de todos os tamanhos. Cresceu e se fez para o mundo num lugar onde a vida dos homens e a vida dos animais se entrelaçam, e talvez por isso, motivado pela vivência, sempre cuidou mais da fauna selvagem e da flora bem mais e melhor do que tomou conta de si próprio. Imagino que deu nome a uma centena de animais e árvores. Conheceu a história de cada um e chorou o final triste de cada árvore abatida na floresta, de cada búfalo que seguiu para caça furtiva e dos contra sensos na Administração destes ecossistemas. Aprendeu a entender os seus instintos e, sobre eles, reproduziu os seus próprios modelos de vida e teorias.

Em Dezembro de 1981, quando a guerra chegou ao Parque Nacional da Gorongosa, agora privatizado e mediatizado, com troféus ocidentais e quase nenhum da comunidade circunvizinha, as balas profanaram aquele santuário; nesse confronto entre irmãos que se desentenderam por motivos políticos, idiossincrasias, sedes pelo poder e democracias envenenadas, ele foi um dos primeiros a erguer-se em defesa dos que lá viviam, bem no interior da Gorongosa, essa montanha final do Vale do Rift, cuidando de homens, mulheres, elefantes, leões, árvores centenárias. Com saber e mestria se converteu num apaziguador, num diplomata das florestas e em alguém que sabia escutar mais do que falar. Quem sabe o seu gaguejar foi um propósito divino.

Zolho se agigantou e, qual Sansão e Dalila convertidos num único ser divino, recriou a arca de Noé dos novos tempos e, sem muita espiritualidade, mas com crenças e determinação, levou o armistício para outros níveis de tranquilidade, onde animais e homens passaram a comungar o sonho da mesma paz, de uma reconciliação e de uma vida de irmandade e distante das armas. Aquilo que o conflito jamais conseguiu conquistar. As armas não fazem amizade nem geram prosperidade. O abraço e a honestidade sim.

Arriscou-se para proteger os outros, como sempre fazem os que protegem a natureza e dela aprendem o sentido da coragem. E depois dessa escuridão, continuou a trabalhar por Moçambique, ajudando a reconstruir não só o parque mas também a esperança. O sonho de Mondlane no seu lutar por Moçambique que continua passando do lado deste Índico idílico.

Foi agraciado com a medalha de Mérito do Ambiente,  mas a maior homenagem que a terra lhe presta está na sombra das acácias, no bater de asas das aves que voltaram a Gorongosa, e no olhar dos jovens guardas-florestais que ainda,  hoje, seguem os seus passos e seus exemplos. Escutam a sua voz e comando.

Os provérbios da nossa terra são pródigos e revelam bem mais do que a língua portuguesa oferece. Agora me recordei de que “A árvore não come os seus próprios frutos.” Profundo e apropriado para recordar esse amigo e colega de matas e savanas.  Roberto foi assim: deu sombra, deu frutos, deu tudo, mas não guardou nada só para si.

Que a sua alma encontre descanso junto das matas de miombo e mopane que ele tanto amou e cuidou. Que os animais que ele protegeu se tornem o seu cântico eterno. E que nós, os que cá ficamos, aprendamos com ele a cuidar daquilo que importa: a terra, a vida, e uns dos outros, reconciliados e em paz com a natureza.

Roberto, a tua pegada permanecerá na areia do nosso tempo e dos novos tempos. (X)